segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Amaralina e Ana Beleza

Eram duas histórias que se emaranhavam. Tipo de coisa normal, quando se mistura o sangue. Nada que representasse complicações na vida delas. Tratava-se apenas do emaranhamento da convivência. Cruzar no café da manhã, dividir chuveiro, emprestar dinheiro ou maquiagem, concordar sobre os destemperos da mãe, discordar de outras tantas... 
De tão emaranhado, Amaralina ia descendo a ladeira de 40 minutos rumo ao "lar doce lar", com um peso insustentável no corpo. Estava tudo tão mais pesado que de costume. Até a belezura de céu que se estampou depois da chuva, não mereceu mais que uma frase em dó menor de sua boca. Seus olhos iam lacrimejando de tempo em tempo, quando pensava que chegaria em casa, e nao teria nem a presença da ausência dela por causas dos compromissos do dia, enquanto ia assoviando e cantando baixinho pra si mesma alguma coisa que fazia lembrar-se de si, e que cabia tão bem nas medidas da situação "Amaralina via de lá/Lágrimas de assustar derramava ela/A assombração a piar/Naquela sentinela via assoviar/Sopro cor de anilina de cor que não se via/via Amaralina /A tal meniiiiiiiiiiina de áaaaaaguas revirar
De fogo ia criar /De luz uma passarela/Láaaaaa da janeeeeeeela /Cor de anilina/Cor que não se via/via Amaralina/Cor de anilina de cor que não se via via Amaraliiiiiiiiina."

É que Ana Beleza, resolveu casar pela segunda vez. E tiveram só um ano pra conviver todos os dias.  Pra Amaralina, um ano é coisa pouca, em se tratando da abundância de emoções que tem pra viver, sentir, compartilhar. 
Quando voltou pra casa, Amaralina lembrou que tinha esquecido que tinha saudade, e sem entender porque, tratou logo de alinhar sua vida com a da irmã. Encorajou-se. Deu alguns passos adiante. Dançaram, beberam, riram, choraram. Riram muito mais do que conseguiram nos ultimos sete anos anteriores. Retomaram duas vidas meio perdidas, se encheram delas... Resgataram um amor que sempre foi demonstrando pelas metades. Devia ser medo, sei lá.

"Caminho longo esse de casa"...
 Desenterrou muita melancolia do peito. Sentir que estava indo pra uma casa que não conseguia sentir mais que era sua, também doía e tornava tudo tão mais esquisito. Estendeu o pensamento pra tantos outros lugares. 
O lugar dos 30 anos que quer ter 30 anos. A ida de uma, mostrou que o ciclo da outra também havia terminado. Essas coisas que ficam presas no tempo e espaço atemporal e imaterial, a mercê de nossas interpretações, são mesmo capazes de mover céus e terras. Não achamos nossos destinos em livros. Vamos bordando nossas vidas em algum material sublime, com linhas de cetim, recolhendo desses lugares que vamos apalpando com o as mãos do pensamento, conclusões que movem nossos moinhos. 
E os moinhos dessas duas garotas vão girando agora no mesmo sentido, que não duvido ser anti-horário, mas movem-se na certeza de que bem do lado mesmo, está o outro, compartilhando do mesmo vento e das mesmas intempéries. 

 Dificuldade de acordar em lugares estranhos. Os avisos prévios, andam cada vez mais curtos. Definitivamente Amaralina se perde com tudo isso. Vem a metamorfose, carrega tudo embora, e ela, tentando catar os últimos pedaços soltos no vento. Tentando resgatar e lembrar o que é ser ela mesma, e assim quem sabe, achar uma pista de onde deve ir.
Mas isso fica pra semana que vem, sabe se lá quando, talvez amanhã. 
Agora só consegue chegar na melancolia que veio com a anunciação da mudança, e encher o olhos de lágrimas, quando lembra que vai chegar em casa, e Ana Beleza, terá levado o resto de suas coisas. 
Um quarto vazio. 
O eco ecoando saudade.
Um pedaço de vida que passou.