Saltou do carro ainda sorrindo.
Espiou a redondeza. Aquela avenida era mesmo de assustar. Vai atravessar pra ver? Muito tempo esperando sem faixa de pedestre ou semáforo. Decidiu abrir mão do táxi que sempre pega de frente a distribuidora de bebidas. A noite fria e a cabeça cheia merecem cada passo adiante.
Chegada uma certa época da vida, muitos medos se vão, e no meio deles, perdeu o medo de andar sozinha, a pé, de noite. Não que sua mente ficasse livre desse pensamento "saio correndo, gritando, enfio o dedo nos olhos, poxa, é infalível essa do dedo nos olhos!". Além de toda hora olhar pra trás para conferir se qualquer perigo estava mesmo distante.
Pensou numa pamonha durante todo caminho. Ficou imaginando encontrar algum lugar que estivesse. Mas, lá por 10 minutos de caminhada, estava bem certo que não acharia muita coisa além do churrasquinho de gato do Setor Pedro Ludovico.
_ É! Tem aquele pão de queijo do posto.
Desceu o percurso todo mirando o próprio tênis e as mãos nos bolsos do casaco. Pensava no pão de queijo, pensava nas panelas em cima do fogão. A última coisa que comeu, mmm, foi no almoço.
E as mãos ainda dentro casaco. Definitivamente, ela não sabe o que fazer com as mãos quando não está segurando um cigarro. E será que alguém sabe? Ficou tentando imaginar as pessoas que conhece e que não fuma. Lembrou de quem coloca as mãos pra trás, lembrou de quem coloca as mãos no bolso. Só não conseguiu lembrar daqueles que deixam assim, os braços caídos, com as mãos penduradas, soltas, livres de qualquer compromisso. O compromisso chato de ter sempre que segurar alguma coisa.
O cachorro de madame que usa botinhas nas quatro patas não merece comentários. Se seu cachorro ganhasse dois pares de botas, bem capaz de rasgá-los no primeiro instante, ou de empacar no primeiro passo. É, porque Lúcia era daquelas de ter coisas normais. E normal é cachorro rasgar essas coisas que incomodam.
Por causa do frio, a pista de cooper estava lotada, e as barraquinhas de água de coco, relativamente vazias. E suas veias desentupindo pelo simples motivo de não ter carteira de motorista. Sempre pensa nisso, mas sempre se consola. O que nunca falta, são motivos. Dos mais convincentes.
Caminhando e os últimos dias habitando sua cabeça. Chegou a conclusão de que essa última viagem não foi daquelas que merecem marcar reunião com as amigas para contar detalhes. Tudo tão normal e tão ela mesma. Fez tudo sozinha, mesmo quando estava cercada de pessoas. Não conseguiu doar atenção para quase nada, e não sentiu aquela felicidade de arrebentar o peito! Se sentiu bem só, é a grande verdade.
O pão de queijo estava bom, mas o café não. Nem por isso torceu o nariz. Queria logo chegar em casa. Andou depressa, esquadrinhando seus dias, seus meses, aparando seus planos, imaginando possíveis futuros, agradecendo os momentos, concluindo situações.
"_ Minha vida não é grande coisa, nem melhor. Pode até ser meio boba pra muita gente. Mas é minha. Só minha. E está tudo no lugar que eu mesma coloquei."
Abriu um sorriso pro nada.
Abriu um sorriso pra noite que não bota mais medo.
Abriu um sorriso pra si mesma. Sorriso de satisfação.
Que orgulho!
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