Jurema não tinha nada que fosse dela mesma. Assim de nascença, nada. Tudo nela era fruto da cabeça de outras pessoas, senão da narradora que aqui vos fala. E nem era sua própria culpa, coitada! Não podia jamais ser acusada de dupla personalidade ou Maria-vai-com-as-outras. Que força ela teria pra sair do papel e adquirir alma coração e tudo mais que a falta?
Além de todo esse sem-gracismo de seres inanimados inventandos e de rumo incerto, era magrinha de dar dó. Tinha o cabelo murchinho que não enchia uma mão. E o aparelho nos dentes? Ah! O sonho dela hoje em dia é poder roer as unhas, mas os dentes tentando voltar pro lugar, hoje não se encostam mais, os debaixo com os de cima. . Ao menos hoje em dia tem as unhas feitas, então aproveita pra morrer de coçar as canelas, quando os cabelos da perna começam a nascer. Nesse tempo seco então, arranca aparas da pele, tipo caspa de cabelo.
Apesar de esquisita, ainda assim tinha seus dois pretendentes. Esquisitos também, mas ambos a queriam muito bem. Essa era a face da sua esperteza, pois aproveitava bem da situação. Um deles adorava aquele sempre resto de batom em sua boca, e o outro gostava mais do seu esmalte sempre descascado. Então pra nunca desagradar ninguém, mantinha esse ritual.
Ela sempre assim tão confusa, ora Pedro ora José, mas com tanto amor no coração. Indizível e indivizível. Administrando como dava, e amando cada dia um, e do seu jeito.
Tinha algo nela, por trás dequele amarelidão, que fazia toda natureza admirar sua existência. Fazia todo tempo e espaço sideral parar em completa contemplação. Devolvia a toda criação o motivo da existência. Fazia o sol ser mais Sol e a água mais "molinha", o verde mais macio, e o cantar dos passarinhos uma oitava maior. Fazia o vento mais suave, e os cascalhos mais leves por debaixo dos pés. Dava cor onde não tinha som. Dava motivo de cantar as fotografias preto e branco. Fazia-se crocante o caminhar. Devolvia a luz para quem já realmente não se interessa por quase nada. Jurema, por debaixo de todas suas cicatrizes, dores irresolvíveis, alma já amassada passada e repassada por diversas vezes, tinha um dom. Dom de poucos: ela jamais perdia sua capacidade de se emocionar. Aquela sabe? Que se enche os olhos de água, depois de deixar-se transbordar sentimento bom, que seja uma simples contemplação da chegada da manhã em sua janela, ou o simples reconhecimento do amor no próximo, talvez só pela lembrança de estar vivo.
Tirem tudo dela. Só não tirem dessa jovem senhora de 44 anos, tão pálida mas tão capaz de amar, a capacidade de se emocionar com a vida, pura e simples.
Invejinha branca do que escreves! Sabes muito bem colocar as palavras no seu devido lugar. =)
ResponderExcluir